A entrevista de emprego é, há décadas, um dos pilares dos processos de seleção. No entanto, nem sempre ela é conduzida de maneira estratégica ou apoiada em evidências científicas. É aí que entra a psicologia comportamental — um campo que estuda como os indivíduos pensam, sentem e agem em diferentes contextos, oferecendo ferramentas valiosas para o RH avaliar candidatos com mais objetividade e previsibilidade.
A entrevista além do “feeling”
Muitos recrutadores ainda confiam excessivamente na intuição ao avaliar um candidato. O problema é que nosso cérebro está repleto de vieses cognitivos: simpatia instantânea, efeito halo, julgamentos baseados em aparência ou até mesmo afinidades pessoais. A psicologia comportamental mostra que essas armadilhas mentais podem distorcer a percepção do entrevistador e levar a escolhas menos eficazes.
Por isso, a entrevista precisa ser estruturada em torno de critérios claros, previamente definidos, que estejam diretamente conectados às competências exigidas pela função. Assim, a avaliação deixa de ser subjetiva e passa a ter uma base mais científica.
Entrevista Comportamental: o poder do passado para prever o futuro
Um dos métodos mais alinhados à psicologia comportamental é a entrevista comportamental estruturada. A premissa é simples: o melhor preditor do comportamento futuro é o comportamento passado em situações semelhantes.
Em vez de perguntas genéricas como “quais são seus pontos fortes?”, o recrutador utiliza perguntas situacionais:
- “Conte sobre uma vez em que você precisou lidar com um conflito na equipe. O que fez?”
- “Descreva uma situação em que precisou tomar uma decisão rápida sob pressão.”
Ao responder, o candidato revela não apenas seu raciocínio, mas também padrões de comportamento, competências socioemocionais e formas de lidar com adversidades. Isso dá ao RH dados mais concretos sobre sua capacidade de performar no cargo.
Análise de linguagem e comportamento não verbal
A psicologia comportamental também fornece insights sobre a comunicação durante a entrevista.
- Tom de voz, ritmo da fala e clareza podem indicar confiança ou insegurança.
- Gestos, expressões faciais e postura revelam abertura, engajamento ou resistência.
- Escolhas linguísticas (como o uso de verbos de ação ou de passividade) podem mostrar proatividade ou postura mais reativa.
É importante, porém, que o entrevistador saiba interpretar esses sinais com cautela, sem transformar a leitura corporal em adivinhação. O contexto cultural, o nervosismo natural e as diferenças individuais precisam ser considerados.
Reduzindo vieses com a psicologia comportamental
Outra contribuição da psicologia comportamental para o RH é a compreensão de como funcionam os vieses inconscientes. Eles podem levar a favoritismos ou exclusões injustas, por exemplo:
- Efeito de semelhança: preferir candidatos que se parecem com o entrevistador.
- Efeito halo: supervalorizar um aspecto positivo e ignorar falhas.
- Efeito primazia/recência: dar mais peso às primeiras ou últimas impressões.
Estruturar a entrevista com perguntas padronizadas, usar escalas de avaliação objetivas e realizar entrevistas em painel (com mais de um avaliador) são práticas que reduzem a influência desses vieses e aproximam o processo de uma análise científica.
O papel das competências socioemocionais
A psicologia comportamental também reforça que o desempenho no trabalho não depende apenas de habilidades técnicas, mas de competências socioemocionais — como resiliência, empatia, comunicação e autocontrole.
Em entrevistas bem conduzidas, é possível investigar como o candidato reage diante de frustração, como lida com mudanças inesperadas ou como constrói relações de colaboração. Essas informações são cruciais para prever sua adaptação à cultura organizacional.
Da ciência à prática: RH mais estratégico
Ao aplicar conceitos da psicologia comportamental, o RH deixa de atuar apenas como executor de entrevistas e passa a se posicionar como área estratégica. Isso significa tomar decisões baseadas em evidências, aumentar a assertividade na escolha de talentos e, consequentemente, reduzir custos de turnover e melhorar a performance organizacional.
Conclusão
A psicologia comportamental ensina que entrevistar vai muito além de uma conversa informal. É um processo científico que, quando bem estruturado, permite identificar padrões, prever comportamentos e tomar decisões mais justas e eficazes. Para as empresas, isso significa mais do que contratar — significa construir equipes de alta performance a partir de escolhas fundamentadas em ciência, não apenas em intuição.